30/06/2016

Fabricar ricos

Um homem rico, não sei se muito ou pouco, nem importa, durante um jantar em Moscovo tratou de me explicar a origem de tantos súbitos milionários na Rússia.

Após o colapso da economia soviética, o poder político de então, sobretudo com Yeltsin, achou que era necessário criar uma nova economia assente no mercado e na livre iniciativa. Sucede que não existiam empresários, nem capital, muito menos famílias abastadas, grandes industriais, investidores, ou seja, aquilo de que se faz o nosso mundo capitalista. Não existiam, tiveram de ser fabricados. Como? Privatizando praticamente tudo, a preços extremamente baixos e, frequentemente, simplesmente oferecendo fábricas e recursos. A quem? Maioritariamente a amigos e membros do próprio aparelho de Estado.

Este processo não foi realizado sem percalços. Com a ascensão de Putin, alguns dos chamados oligarcas foram eliminados, enquanto outros surgiram e continuam a surgir. 

O meu interlocutor diz que isto são histórias irrelevantes, que só interessam ao Ocidente para dizer mal da Rússia. Para ele, o importante é que se tenha criado uma economia muito dinâmica a partir do nada, beneficiando extraordinariamente uns poucos, mas arrastando a maioria para uma vida melhor. 

Para este homem, os ricos são o motor de qualquer economia. Mesmo quando são estúpidos e gastam o dinheiro em futilidades.

Recentemente um amigo angolano disse-me praticamente o mesmo referindo o caso de Angola. Com uma justificação um pouco mais elaborada. A fabricação de ricos em Angola visou proteger a economia do país do controlo estrangeiro. Sem ricos, as principais empresas e recursos seriam capturados por investidores de outros países. Pode ser chocante assistir à acumulação de riqueza por um lado enquanto a miséria cresce pelo outro, mas se fossem todos pobres estariam nas mãos de novos colonos.

Recorde-se ainda que nos anos 1980 o próprio Mário Soares convenceu Ricardo Salgado, Sousa Cintra e outros a voltarem a investir em Portugal. Ajudando, por exemplo, Salgado a recuperar o BES. Mário Soares considerava então que o país saído de uma revolução e subsequentes nacionalizações precisava de capitalistas ou seria tomado por interesses estrangeiros. O que aliás acabou por acontecer, diga-se de passagem.


Enfim, são argumentos interessantes dignos de registo. Assentes na ideia de que as sociedades beneficiam com a existência dos muito ricos, sejam eles das velhas famílias ou fabricados à pressa tipo fast-food ou prêt-à-porter. Não temos maneira de testar a eficiência de um sistema não baseado na riqueza individual já que as experiências socialistas e comunistas resultaram na concentração do poder económico e não na sua distribuição, ou seja, aquilo que se chamou capitalismo de Estado. Podemos contudo perceber que o sistema atual não funciona tão bem como alguns pretendem, pois gera enormes desigualdades e muita miséria.

Um bilionário russo, dado à filantropia e apreciador de arte, diz dos seus "colegas": "Eles não leem livros. Dizem que não têm tempo. Não visitam exposições. Acham que a única maneira de impressionar alguém é comprar um iate. Não se interessam pela justiça social." É sobretudo duvidoso que os novos-ricos tenham alguma consciência social ou ambiental nos seus investimentos e atividades. Já para não falar da influência negativa que exercem a nível dos comportamentos e do gosto, empurrando a cultura para a mediocridade e a estupidez.

Como dizem os ingleses: são precisas três gerações para fazer um Senhor.

Leonel Moura no Jornal de Negócios